segunda-feira, 26 de abril de 2010

A ÚLTIMA CARTA DE AMOR


Meu amor,


Que Deus não permita que eu faleça de remorso, quem sabe, que ele permita até que também eu não perca a vida por não ter podido amar como sempre sonhei amá-la. Claro, de fato o mundo me retirou a maravilha de tê-la em mim, para mim como noutros tempos quis, mas cá eu juro que me firo ao culpar-me de desgosto, de perdido tê-la, não sei até quando, quiçá para sempre, coisa que horrível pra mim seria, como se o sol de desprovesse do dia.


O meu amor não é um amor louco, nem muito menos louco um dia foi, é porventura um amor solto e livre como tudo o que é belo, como tudo o que vai e volta. Lamento se não soube satisfazer todos os seus desejos, mas que Deus não permita que eu faleça sem antes contar ao mundo o seu mais suave segredo. A vez primeira que você vi, confesso que foi de arrepiar — eram os olhos claros como o céu sem nuvens, boca úmida e arroxeada, linda e leve como uma pluma, a face desenhada pela mão de Deus e o corpo que me fez perder os olhos nas curvas sinuosas. Lembro da voz doce e afável, sorriso largo e sensual, tudo como sempre sonhei, mas que nunca imaginei que realmente encontraria.


Mas o tempo passou — como passa rápido hein!


Foi como uma flecha voando em direção ao alvo. Nos perdemos nos trilhos da vida e um dia, nosso contato cessou, a dor se aprumou, e, deveras, meu coração de saudade de assaltou. Choro lágrimas de sangue nas noites frias e escuras, lembrando que poderia ter sido um pouco melhor, ou quem sabe até, ter sido eu mesmo, um eu que nunca fui. O dia não nasce mais tão belo como diante do prazer de vê-la sorrir um dia nasceu. As noites são mais longas e as madrugadas perturbadoras. Aquele dia que tudo encerrou, a morte, o desespero, o golpe... Desculpe-me, sei que errei e que minhas sinceras desculpas ou gratidões jamais consertarão aquele estrago. Mas confesso que em você pensei por tempos a fio e que apenas não segui o que o meu coração mandava para não magoá-la.


O destino foi cruel comigo meu amor, foi tão demoníaco que me amaldiçôo diuturnamente por tê-la conhecido e tê-la perdido assim, tão de súbito quanto um beijo que nunca proferimos. As rosas não têm mais o perfume que um dia tiveram e o vento não sopra mais suavemente como um dia soprou. Para mim, tudo virou cinzas e a penumbra da vida virou eternamente a minha companheira secreta e silenciosa. Os dias passam por passar, e eu amo apenas por ver no alheio o prazer de se amar outrem. A maldição da vida me acompanha e o sonho perpétuo me fere a alma. Você é tão linda que de quebranto lhe encho, elevando o encanto que jamais mereço.


Agora, mais que chorar a perda desgraçada do nosso amor irreal, é lembrar que um dia, quando na tumba da morte sem fim deixar cair-me de pranto, levarei seu sorriso e a lembrança do seu olhar, para que quando noutro mundo eu estar, poder enfim, em paz ficar. Agora, com a licença divina e limpando o tanto de lagrimas que rasgam a minha face, acabo de escrever está ultima carta de amor dizendo que muito a amo, talvez mais do que eu mesmo, talvez mais do que a vida. Mais, bem mais do que qualquer outro que um dia, porventura você amou. Espero em uma época ainda encontrá-la, antes que a morte não nos permita essa glória.


De quem um dia viveu para lhe amar.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

OUVINDO O MEDO


Escuro. Tudo estava escuro. A luz havia acabado, e lá fora se ouvia apenas o sussurrar do vento que lambia as venezianas com ternura, aflorando um medo que começava a se apresentar. Tobias e sua mãe estavam jantando e, subitamente, a luz se ausentou.

— Mãe, onde você está? Eu to com medo... — disse ele.

— Calma, filho, a mãe está aqui. Fique quietinho que eu vou catar uma vela.

Tentando acostumar-se com a escuridão, Tobias permaneceu sentado. Os minutos que passavam pareciam ser eternos. Não via nenhum palmo a sua frente e aquela sensação de medo lhe fazia perder a respiração. Sentiu o seu pobre coraçãozinho arder ao ouvir um forte ruído e sentiu vontade de chamar por sua mãe. Ele não sabia, mas havia alguém sentado ao seu lado.

— Mãe, cadê você?

Não ouve resposta.

— Manhê! — gritou. — Eu to com medo...

— Calma, filho, a mãe está aqui. Fique calmo.

Mary estava de costas e trazia em um pequeno prato um toquinho de vela que alimentava toda a cozinha. Uma luz amarelada iluminava uma parcela daquela penumbra que trazia tensão aos olhos e ao coração do menino. Sua mãe se virou. Tobias teve a impressão de que morreria.

Aquilo atrás dela realmente existia. Era sinistro e nojento. Era aterrorizante.

— Mãe... Não olha... Tem alguma coisa atrás de você. Não olha mãe... Não olha!

— Pare de me assustar, Tobias. Você sabe que eu não gosto disso.

Ao se virar, Mary visualizou aquilo as suas costas. Ligeiramente aquele ser de outro mundo cravou suas garras nos braços da mulher e, com agilidade, fez sair uma enorme mandíbula de dentro de sua boca. Tobias via a tudo boquiaberto. Não sabia o que fazer e nem como proceder. Aquela coisa tinha a cabeça em formato oval, com três grandes olhos na face. Era grande, munida de garras, músculos e dentes afiados. Tobias não parava de tremer ao ver aquela coisa que ele nunca imaginou que realmente pudesse existir. Gosmas escorriam da boca e das mãos daquele monstro horrendo.

De repente o prato com a vela caiu, e novamente a escuridão tomou conta daquele lugar e dos olhos de Tobias, que agora não via mais nada, apenas ouvia. Ouvia que sua mãe gritava sem parar, ouvia o quebrar dos ossos das suas costas e um certo volume de liquido que se esparramava no chão. Tobias estava em pé, mergulhado naquela penumbra amarga que lhe trazia dor, medo e uma morte que jamais chegou a ver, apenas a ouvir. Começou a chorar silenciosamente ao perceber que os ruídos e gritos haviam se perdido na escuridão.

— Mãe? — tentou chamar por ela, mas ele sabia que não adiantava mais nada.

Havia uma coisa ali. E foi quando sentiu um par de mãos grandes em seus ombros que percebeu que ainda tinha companhia. Ficou inerte, e antes de poder fazer mais alguma coisa, aquela criatura penetrou algo em sua boca, algo grosso e raivosamente gosmento, que começou a rasgar a boca do menino, entrando amargamente em suas entranhas e tomando conta do seu corpo. Tobias calou-se para sempre assim que aquela coisa, além de entrar dentro dele, ainda torceu seus braços de forma inversa, sem pena nem dó.