segunda-feira, 10 de maio de 2010

DE GELAR O SANGUE


Enquanto a dança da noite horrenda avassala meus medíocres pensamentos, uma enchente de desprezo me corrói. Está na hora de partir. Eis que a vontade máxima de arrancar-me a vida me vem. Mas logo se vai, assim como a ventania que lá fora se enerva.


Agora, enquanto passo sob o umbral da porta, sinto o clima gótico que a mim se assalta. Tudo, exatamente tudo é belo. Tão belo quanto a morte do amor. Meus olhos cansados e desprezados sentem a imensa vontade de chorar. Meus nervos se contraem e os ossos de meu corpo começam a tremer. Seria medo? Seria uma ânsia de algo que a muito me persegue? O meu sangue gela. Sim, meu sangue gela! É estranho como o meu cabelo, assim como as arvores, dança ao vento. Eu sorrio e começo a caminhar.


Vou atravessando florestas sem fim e sem pena, montes arruinados e lagos negros como um poço. Aos poucos o suor começa a me sair pelos poros, mas é quando começo a limpá-lo que percebo que suo sangue. Sangue gelado começa a sair de mim em forma de suor. Começo a ficar todo molhado. Há sangue em todo o meu corpo, em toda a parte. A noite densa me vigia, e os raios sorridentes de escárnio se vangloriam dos meus pecados e fracassos. Olho para cima. Corvos me rodeiam querendo minha carne e eu continuo caminhando, lembrando do semblante perdido daquela que me fez desmanchar o coração e rasgar meu peito de dor e ódio. Lembro dos seus cabelos negros como se fossem serpentes e dos seus olhos azuis como oceano. Uma saudade me bate e, conseqüentemente, uma sensação de terror e desprezo também.


Começo a chorar. Lágrimas negras descem dos meus olhos. Sinto dor. Muita dor. Ai percebo que meu rosto vai se desfigurando, se rasgando como plástico, pois o liquido negro que desce de minhas órbitas é acido, e queima-me a pele. Sinto muita dor. Coloco a mão no rosto e sinto os ossos da face aparecendo. Eu estou morrendo aos poucos. Morrendo aos poucos!


Sinto medo.


Os raios resvalam por sobre as copas das arvores e iluminam o meu semblante. A cada passo que eu começo a dar, uma parte do meu corpo começa a despencar e rolar no chão. É estranho. Eu estou me indo! Primeiro perco os dedos da mão, depois os braços. Depois, conforme vou chegando ao córrego, percebo que somente as pernas me sustentam. Já não possuo menbros, não possuo boca, nariz, nada.


Olho para trás. Os demônios com suas trombetas infernais vem em minha direção. Só existe uma maneira de morrer em paz, e eu sei qual é. Deus que me perdoe pelos meus pecados, mas do sangue eu vim e do sangue morrerei. Mergulho no córrego e sinto, além de medo, frio. O sangue é gelado. Tudo é gelado. Não sinto meus ossos, não sinto meus membros, não sinto nada.


Sem braços, começo a afundar, deixando lá fora um mundo de trevas, sombrio como a hora da besta. Deixo lá fora um mundo que me ignorou e que me quis ver arder no inferno. Lá fora fica a floresta do mau, o céu negro, os raios loucos, as pessoas que sorriem de escárnio e ela, a minha maldita amada, pernoitando em algum lugar.


Vou afundando lentamente, nessa morte de gelar o sangue e de morrer a alma. Tudo é vermelho diante de mim. Lentamente fecho os olhos e começo a descer numa profundidade infinita, onde ninguém me acompanha, ninguém exceto o sangue que agora me carrega para o seio da terra perdida.