Escuro estava o quarto de Claire, uma mulher de gestos leves e ar doce. Entorno dos seus louváveis 26 anos de uma vida sofrida e banhada em esperança, ela, uma sereia de traços fortes e olhar distante, com lábios grossos e face retangular, não sabe outra coisa fazer senão nutrir a esperança de um dia encontrar um amor de fato.
Mas agora estava deitada sobre seu leito morno, olhando para o teto branco, sem pensar em nada, em nada e em ninguém em especial. Imaginava viver uma vida de sonhos e de encontros furtivos com pessoas desenganadas, mas ela sabia que isso era por demais impossível. Os olhos belos de Claire lentamente estavam se fechando e ela sentia que o sono viria fazê-la dormir, coisa que não demorou a acontecer. Seus suspiros e a contração dos pulmões eram belos, a respiração deveras ofegante, não menos majestosa. O vento frio entrava pela janela que ela, sem se dar conta, não lembrou de fechar. Era o andar de cima, o andar do medo. Cobriu-se com o cobertor e em seguida virou de lado para acomodar-se melhor na cama. Em seus sonhos Claire via um homem lindo — o ser mais magnífico que a presença feminina poderia alcançar. Ele era dotado de uma masculinidade impar e com uma sutileza de tirar o fôlego de todas as mulheres.
Enquanto ela sonhava, a veneziana da janela balançava com o vento que vinha beliscar a madeira da casa e lustrar as árvores e as outras matérias encravadas nas ruas e nas avenidas escuras e sombrias da madrugada. Porém Claire, entretida com o seu sonho, não percebeu a figura subindo pela janela e nem entrando no quarto negro onde jaz ela se deleitava num sono tranqüilo e afável. Ele entrou com seu manto negro e em pé a observou. A figura era estranha, por demais assustadora, mas, não por menos atraente. Sorriu ao vê-la ali tão bela. Pensou em atacá-la, mas a beleza rara e consistente de Claire o fez mudar de idéia ligeiramente. Ele agachou-se e passou os dedos negros e raquíticos nos cabelos dela e em seguida beijou-a suavemente. Um beijo tão eterno quanto o sonho que ele jamais acabaria de sonhar. Seus lábios mornos se tocaram com delicadeza, mas aquela figura queria mais, e assim o fez. Um beijo ardente, um beijo de morte, o beijo e o amor louco que ela sempre desejou. A figura estranha limpou a boca cheia de sangue e foi se afastando da cama. Foi até a janela e saiu para as trevas. Ali, Claire ficou imóvel, com uma mão pendendo da cama e encostando-se ao chão. Ela ganhou o que sempre quis: um beijo ardente, um beijo de amor. Porém, o que menos imaginou: um beijo de morte.