sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

UM BEIJO DE MORTE



Escuro estava o quarto de Claire, uma mulher de gestos leves e ar doce. Entorno dos seus louváveis 26 anos de uma vida sofrida e banhada em esperança, ela, uma sereia de traços fortes e olhar distante, com lábios grossos e face retangular, não sabe outra coisa fazer senão nutrir a esperança de um dia encontrar um amor de fato.

Mas agora estava deitada sobre seu leito morno, olhando para o teto branco, sem pensar em nada, em nada e em ninguém em especial. Imaginava viver uma vida de sonhos e de encontros furtivos com pessoas desenganadas, mas ela sabia que isso era por demais impossível. Os olhos belos de Claire lentamente estavam se fechando e ela sentia que o sono viria fazê-la dormir, coisa que não demorou a acontecer. Seus suspiros e a contração dos pulmões eram belos, a respiração deveras ofegante, não menos majestosa. O vento frio entrava pela janela que ela, sem se dar conta, não lembrou de fechar. Era o andar de cima, o andar do medo. Cobriu-se com o cobertor e em seguida virou de lado para acomodar-se melhor na cama. Em seus sonhos Claire via um homem lindo — o ser mais magnífico que a presença feminina poderia alcançar. Ele era dotado de uma masculinidade impar e com uma sutileza de tirar o fôlego de todas as mulheres.

Enquanto ela sonhava, a veneziana da janela balançava com o vento que vinha beliscar a madeira da casa e lustrar as árvores e as outras matérias encravadas nas ruas e nas avenidas escuras e sombrias da madrugada. Porém Claire, entretida com o seu sonho, não percebeu a figura subindo pela janela e nem entrando no quarto negro onde jaz ela se deleitava num sono tranqüilo e afável. Ele entrou com seu manto negro e em pé a observou. A figura era estranha, por demais assustadora, mas, não por menos atraente. Sorriu ao vê-la ali tão bela. Pensou em atacá-la, mas a beleza rara e consistente de Claire o fez mudar de idéia ligeiramente. Ele agachou-se e passou os dedos negros e raquíticos nos cabelos dela e em seguida beijou-a suavemente. Um beijo tão eterno quanto o sonho que ele jamais acabaria de sonhar. Seus lábios mornos se tocaram com delicadeza, mas aquela figura queria mais, e assim o fez. Um beijo ardente, um beijo de morte, o beijo e o amor louco que ela sempre desejou. A figura estranha limpou a boca cheia de sangue e foi se afastando da cama. Foi até a janela e saiu para as trevas. Ali, Claire ficou imóvel, com uma mão pendendo da cama e encostando-se ao chão. Ela ganhou o que sempre quis: um beijo ardente, um beijo de amor. Porém, o que menos imaginou: um beijo de morte.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

TEM ALGUÉM ALI



— Mãe, tem alguém ali — disse Elisabeth.

— Ali aonde menina?

— No meu armário.

— Minha filha, já disse a você que não tem nada no seu armário. É coisa da sua cabeça. Agora vá dormir, por que amanhã você tem que acordar cedo para ir pra escola.

A menina, tomada por um medo do tamanho de sua inocência, ficou parada na porta e não saiu dali. Alguns segundos depois, seu pai lhe repreendeu.

— Elisabeth, por favor, vá para cama.

— Mas eu estou com medo pai — disse com a voz rouca, um pouco baixa, mas suave, como mandavam os seus sete anos de idade. Vestia uma camisola branca que lhe cobria os joelhos e estava descalça.

Sem saber como proceder, a pobre menina voltou para o quarto acompanhada de um temor jamais visto. Assim que passou pela porta, Elisabeth rapidamente escapuliu para baixo do cobertor e se cobriu. Até tentou dormir. Até tentou cochilar. Mas aquele barulho ainda socava em sua cabeça. Vinha do armário, isso ela sabia, e minutos mais tarde seus olhinhos abriram ao ouvir um dos tantos ruídos estranhos que latejavam em seu coração. Ao voltar os olhos para o armário, ela viu as duas maiores portas abrirem, e segundos depois, emergindo das trevas da escuridão, avistou uma mulher alta, munida de um vestido branco, com grossas manchas de sangue se proliferando rapidamente pelo seu corpo torto e demoníaco, e com os cabelos para frente, cobrindo-lhe a face, vindo em sua direção. Elisabeth estava atônita com aquela visão e não conseguia nem gritar de tanto medo ao ver àquela mulher. Aquela figura caminhava sem pressa, até que repentinamente ergueu os olhos vazios como um poço negro e sorriu um riso que arrepiou os cabelos da menina.

— Paul — chamou Margareth, mãe de Elisabeth. — Você ouviu isso?

— Isso o que? Vá dormir, temos que acordar cedo amanhã — ele repeliu.

— Veio do quarto de Elisabeth.

Ele abriu os olhos e ouviu aquele mesmo silêncio que sempre pairava pela casa durante as longas madrugadas. Mas dessa vez, ousou dar atenção a sua mulher. Ambos levantaram e foram até o quarto da menina. Encontraram a porta aberta, e assim que entraram, perceberam que Elisabeth não estava na cama. De anormal visualizaram apenas as portas do armário abertas. Paul foi até lá, e imóvel em frente à escuridão, ficou mudo.

— Santo Deus...

— O que foi Paul? O que houve?

Ele apontou com o dedo. Elisabeth jazia no fundo do armário em pedaços. Mutilada. Estava sem carne nem órgãos. Do seu lado estavam os braços e as pernas, jogados como se fossem pequenos gravetos.

Paul e Margareth não sabiam o que fazer, e de repente Margareth virou para trás e avistou aquela mulher sobre a cama da filha. Marido e mulher se entreolharam. A figura ergueu os olhos e sorriu, e inevitavelmente tudo ficou negro diante dos olhos daquele casal.